A flora do arquipélago dos Açores
É nos Açores que fica o cume mais elevado de Portugal, e é também lá que se situa o ponto mais ocidental do nosso território. Os Açores parecem-nos tão europeus e tão portugueses que, se não fosse a condição insular, dir-se-ia que já os conhecemos e sabemos como lá se vive ainda antes de lá pormos os pés. Mas, tendo visitado as ilhas com maior ou menor vagar, ou mesmo vivendo em alguma delas, será que as conhecemos bem? Que sabemos da sua vegetação? Conseguimos reconhecer as plantas endémicas dos Açores, aquelas que existem nas ilhas e em nenhum outro lugar? E em que é que as ilhas se assemelham ou se distinguem umas das outras?
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O Corvo e Santa Maria, duas das mais pequenas ilhas dos Açores, distam entre si 600 quilómetros, e não é de esperar que sejam idênticas no clima ou na vegetação. De facto, o clima hiper-húmido do Corvo faz com que o Caldeirão no centro da ilha seja uma vasta turfeira, enquanto que em Santa Maria, com um clima que se aproxima do mediterrânico, as turfeiras são desconhecidas. Contudo, há um número surpreendente de endemismos botânicos açorianos comuns às duas ilhas. Na verdade, das cerca de 75 espécies ou subespécies de flora vascular endémicas do arquipélago, há 30 que ocorrem em pelo menos oito ilhas, e é na vegetação costeira ou de baixa altitude que essa uniformidade é mais evidente. A emblemática vidália (Azorina vidalii), os cubres (Solidago azorica), a erva-leiteira (Euphorbia azorica), o bracel-da-rocha (Festuca petraea), a gramínea Gaudinia coarctata e o raro não-me-esqueças (Myosotis maritima) são todas elas plantas de beira-mar presentes nas nove ilhas, fazendo-se habitualmente acompanhar por nativas não endémicas como o perrexil-do-mar (Crithmum maritimum) e o feto Asplenium marinum. Também a composição dos matos ou florestas naturais das zonas costeiras não varia muito de ilha para ilha, predominando a faia-das-ilhas (Myrica faya), a urze (Erica azorica) e o pau-branco (Picconia azorica), com presença ocasional do loureiro (Laurus azorica).
É no interior das ilhas, principalmente nas zonas mais elevadas, que as diferenças entre elas são mais marcantes. A paisagem humanizada, composta sobretudo por pastagens e plantações florestais de criptomérias, fez com que, na maioria das ilhas, a floresta original se reduzisse a muito pouco. Contudo, a floresta húmida dos Açores, dominada por cedros-do-mato (Juniperus brevifolia), azevinhos (Ilex perado subsp. azorica), loureiros, sanguinhos (Frangula azorica), uvas-da-serra (Vaccinium cylindraceum) e folhados (Viburnum treleasei), é de uma exuberância vegetal só comparável à das florestas tropicais. Mergulhada em nevoeiro (chamam-lhe, com propriedade, floresta de nuvens), sobre um chão movediço de Sphagnum, saturado de água, não há recanto que não esteja preenchido com musgos, fetos de todos os tamanhos, heras e herbáceas amigas da sombra, nem há árvore a que falte um caprichoso rendilhado de epífitas. Infelizmente, esta floresta mágica (onde, dependendo da ilha, podemos encontrar preciosos endemismos como Bellis azorica, Sanicula azorica, Lactuca watsoniana ou Platanthera micrantha) só nas ilhas das Flores, Terceira e Pico ocupa extensões significativas, dela sobrevivendo ainda em São Jorge, Faial e São Miguel manchas fragmentárias em relativo bom estado.
A menor diversidade vegetal e a relativa homogeneidade da paisagem natural açoriana, com aparente repetição dos mesmos elementos nas várias ilhas, levaram a que, entre os pioneiros no estudo da flora da Macaronésia, fossem em número bem menor os que se interessaram pelos Açores do que, por exemplo, pela Madeira. Em resultado disso, a flora açoriana manteve-se durante longo tempo mal conhecida, e a sua diversidade (maior do que se supunha) mal apreciada. Essa situação só tem vindo a ser corrigida de modo sistemático a partir dos anos 90 do século XX. A descrição de espécies novas (algumas das quais, como Angelica lignescens, Aichryson santamariensis, Festuca francoi, Limonium eduardi-diasii e Carex leviosa, tinham sido antes confundidas com espécies madeirenses ou continentais mais ou menos aparentadas), o reconhecimento de variações inter-insulares que haviam até então escapado à atenção dos botânicos (como sucedeu com a Euphorbia santamariae e com os dentes-de-leão do género Leontodon) e até a redescoberta de espécies esquecidas (caso da orquídea Platanthera azorica) – tudo isso levou a que o número de endemismos reconhecidos no território, que antes rondava os 50, tenha aumentado de modo expressivo.
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